domingo, 31 de agosto de 2008

Carta aberta a Nayara

As melancólicas palavras desta carta foram escritas por Marra Signoreli no segundo semestre de 2008 e publicadas em dois blogs: Delirium Tremens e Pierrot Lunaire sob o pretexto de serem encaminhadas a Nayara. Na verdade o silêncio hermético dessas palavras revelam uma incomunicação repletas de interpretações absurdas de quem a lê, o único jeito de apreende-las, creio eu, seria não pensando sobre elas.
O Pássaro de Argila

"Vós, porém, tendes a unção do Santo e sabeis todas as coisas. Não vos escrevi como se ignorásseis a verdade, mas porque a conheceis, e porque nenhuma mentira vem da verdade" Primeira epístola de São João (2: 20, 21)

"I count those feathered balls of soot
The moor-hen guides upon the stream,
To silence the envy my thought;
And turn towards my chamber, caught
In the cold snows of a dream." W. B. Yeats



N,

Eu acredito nas pétalas de Sol desta carta
Sobre o cavalo de lágrimas na neve do sonho
Mas se destece em crisálidas de fênix, silêncios
Pós das latrinas devoram na caveira do abismo.

Indubitavelmente eu acredito
No absinto derretendo as televisões ao som da terceira trombeta.
Encarecida a mente faz o mito
Do absurdo no automóvel passarizando a larva desalunissada.

Sinto-me surdo de repente.

No fundo dessa incógnita um cavalo vomitou a rosa-dos-ventos,
Cavá-lo tirou-me momentaneamente da hipnose dos pés da deusa,
Tentava pintar o nunca de suas unhas como metáfora obediente,
Pois somos metáforas metafísicas na internet dos séculos,
Tentei não amá-la, mas vi sua pulseira com contas e alegorias
E vi-me preso como o outono desfolhando o Evangelho
Só posso fazer por ti esta carta apocalíptica
Fujamos daqui antes de sermos novamente seus escravos
Longe podemos pescar estrelas no lago da noite
E alimentar com sonhos as nuvens já fartas do Sol
Só encontraremos a pós cavarmos os cavalos seus esqueletos de relógio
E o mecanismo de formigas fugirá nas mãos derretidas
Não quero mais chorar, disse o céu antes do dilúvio
Tudo se resolve nas estátuas dos cemitérios
E suas flores dormidas no tédio da tarde.

Eu não sou mito de tétrica cirrose na festa
Durmo no embalo da lástima mais breve da deusa
A fada canta e de pálida me lua enterrado
Pós das latrinas devoram a caveira do espaço.

Eu não sou mito de lápide no raio que o parta,
Eu acredito nas pétalas de Sol desta carta.

Distraidamente,
Marra Signoreli

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Um poema do livro "Susana -3 Elegia e Inventário" de Geraldo Mello Mourão

"e tua voz se ouvia
através das paredes e era
a voz da estrela onde
o rouxinol um dia fez seu ninho:
as raparigas celtas temperavam na garganta
esse murmúrio numinoso
quando
inauguravam na boca o desenho
da primeira dança:
à sua melodia as ninfas
naquele tempo
viam
partir-se o coração da rosa quando
o coração do silêncio partia o seu cristal
e aparecia a tua voz:"

(Mello Mourão, Geraldo. Susana 3 Elegia e Inventário, pg. 28 Edições GRD)

PS: Eu juro ter tentado ao máximo manter a disposição espacial original do poema: "quando" deve aparecer alinhando ao "o" de "numinoso" e "viam" alinhado após o "o" de "tempo", alinhado ao "a" de "as" no segundo verso anterior a ele.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Coisas a não se dizer.

O primeiro parágrafo foi um projeto abandonado, o segundo foi um pensamento avulso, se houve unidade foi casual:

Os problemas estéticos, bem como as complicações metafísicas, os problemas com a religião e com a inspiração, com a força de um trabalho e com a força maior da fé sempre me incomodaram como se incomoda, na vida contemporânea, com questões como amor e trabalho, isso seria um problema de ser dito aqui abertamente, pois estou cada vez mais convencido do seguinte problema: por mais aderentes ao discurso da admiração sobre a intelectualidade as pessoas (e principalmente as mulheres) estão, ao medirmos a sinceridade disso veremos uma escassez no afrodisíaco do intelecto. Entenda, eu trunquei um pouco a linguagem por motivos óbvios, não quero que certas pessoas entendam o conteúdo de certas passagens do texto, mas se quiser tratar a questão por puro pedantismo, ok.

Eu poderia ter decidido não escrever, ou mesmo se tivesse decidido escrever, não me importar. Não é assim o feito hoje em dia? Não é isso o apresentado aqui? Tudo menos eu, poderia ter resolvido não sofrer, ter abandonado o mito da existência quando não estava preso a ele, seria tudo, seria feliz como o é qualquer um, e se não o fosse poderia usar dos entorpecentes químicos ou psicológicos para alcançar isso, mas não seria eu, e assim me conheço como indivíduo e tomo consciência de mim em frente à noite dessas eras. Deixo que me julguem, pois tudo além de meu coração e suas coisas é o silêncio.

sábado, 9 de agosto de 2008

Conclusão para uma conclusão circular

Se eu não fosse tão passional com algumas coisas ou pessoas, elas seriam bem mais fáceis de lidar...

Outras não.

Esta tendência para a resignação é desconfortante.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A pessoalidade e o raciocínio delirante, ou a conclusão da cama.

Passaram, na minha cabeça, vários conceitos prontos para serem contestados por culpa de um incômodo agora sentido por mim, um dos primeiros foi o de justiça, e daí fui até ao conceito de escrever bem (tá certo, esse aí é bem deformado hoje em dia), no entanto esconde-se atrás dessas críticas sem o menor grau de academicismo a conceitos contra os quais os filósofos se jogam, e não eu, algumas noites mal dormidas, a obsessão pela beleza e pela perfeição junto a certas frustrações (frustrações até por conseguir fazer algo bom e não conseguir fazer algo tão bom depois), o trauma – e a lição de vida – por estar lendo um dos maiores poemas da literatura brasileira, a consciência me cobrando as coisas necessitadas de serem escritas, uma outra obsessão pela comunicação e pela coerência junto a pessoas cegas e incoerentes, e pessoas cegas e incoerentes com as quais preciso me relacionar, preciso ser gentil, não por trabalhar como atendente de uma clínica psiquiátrica, pois eu não trabalho em clínica psiquiátrica, não impedindo o fato a convivência com loucos.

É mais interessante para você, caro leitor sendo tratado por um fato sincrônico da língua portuguesa do Brasil, o último fator citado no desparágrafo disparado anterior, pois além das minhas noites insones e minha vida literária não lhe interessar ainda (e coloco esse ainda com a maior humildade e certeza de um trabalho duro) a maioria de nós possui o horrível prazer em não cuidar de sua própria vida pessoal, portanto fá-lo-ei a parte da última razão para o meu incômodo.

Há tempo me sinto sozinho, não a solidão agradável da auto-suficiência para a visão das coisas e da elaboração de um plano metafísico próprio e a cosmogonia interna para a fundação de sua própria mitologia, no sentido aristotélico de mito, (falar disso me dá prazer o suficiente para não querer parar de falar) mas a desagradável solidão do sintoma de um dos problemas de comunicação. Não a guerra, tampouco a revolução, mas a crise, não ter por onde dar ou receber o misterioso som do imperativo realizador de nossa racionalidade... ou talvez algo não tão drástico, talvez o simples sentimento humano e comum de solidão, resumido em poucas palavras ou em grandiosos textos pertencentes a poesia dos homens e das coisas, a fraca irritação da adolescência, resolvo-me assim no intimismo de falar da minha cama, a minha cama me é vazia ao ponto de fugir dela quando estou sonâmbulo, e as pessoas são vazias como a minha cama, fogem de mim as pessoas como fujo da minha cama, e eu as desejo como a minha cama me deseja, não consigo me relacionar bem como não consigo dormir bem, mas consigo me relacionar assim como a insônia não é eterna, tenho a minha cama como as pessoas me tem, e amo coisas da minha cama como algumas pessoas me amam.

Como chegamos a um raciocínio delirante, há uma conclusão possível: as pessoas desejam a mim na cama... ou pelo menos eu desejo-as desejando isso.

Me sinto bem melhor agora, vou escrever uns versos.

terça-feira, 5 de agosto de 2008