sábado, 17 de maio de 2008

Diálogo à toa 1: Ubiratan e Marra.

Ubiratan diz:
O Rodrigo é esperto, viu?
Alf diz:
bom, rendeu em outro lado
Ubiratan diz:
Que outro lado?
Alf diz:
ele ficou na cabeça com aquela coisa de você ter dito pra ele
Ubiratan diz:
O que???
Alf diz:
que a aula de análise era desmontar relógio
Ubiratan diz:
Era uma brincadeira, achei que ele tivesse levado isso dessa maneira.
Alf diz:
acho que no fim de tudo levou mesmo...
Ubiratan diz:
Eu me referia a Pierre Boulez com esse negócio de bricoleur...
Ubiratan diz:
Bircoleur é a metáfora do cara que analisa a música como quem desmonta um curioso relógio. Boulez ironiza isso.
Ubiratan diz:
E Debussy também.
Alf diz:
Boulez deve ser um chato no dia a dia dele, rs
Ubiratan diz:
COOOM CERTEZA!!! Boulez deve ser um saco.
Ubiratan diz:
Ironiza tudo, desconfia de tudo, nada está do jeito que ele quer, tudo deve ser objeto de análise, nada deve escapar a sua ótica...
Ubiratan diz:
Um saco.
Alf diz:
pois então
Alf diz:
nem ele deve se agüentar
Ubiratan diz:
Ler Boulez é um saco.
Ubiratan diz:
Noooossa, demais...
Ubiratan diz:
Mas ele tem razão no que diz, infelizmente...
Ubiratan diz:
INFELIZMENTE...
Alf diz:
o que ele diz que tem razão?
Ubiratan diz:
Gostei quando ele citou Debussy, dizendo que ele tentava "ver, através das obras, os movimentos múltiplos que as fizeram nascer e o que elas contêm de vida interior", e que isso "não tinha o mesmo interesse que o desmontá-las como curiosos relógios."
Alf diz:
ele deve ter razão nisso aí mesmo
Alf diz:
o que não quer dizer que seja ruim
Alf diz:
até porque a imagem de desmontar relógio me é acompanhada de uma imagem de manipular o tempo
Ubiratan diz:
Debussy disse: É preciso procurar disciplina na liberdade. Boulez completa: Mas só há liberdade dentro da disciplina. É lindo. E funcional...
Ubiratan diz:
Mesmo?
Alf diz:
é claro
Ubiratan diz:
Manipular o tempo?
Alf diz:
o que de fato acontece
Ubiratan diz:
Como assim?
Alf diz:
quando o artista desmonta a peça ele manipula dentro não só os elementos da peça
Ubiratan diz:
Mas também...
Alf diz:
mas séculos e eternidades de tradição musical
Ubiratan diz:
Análise musical é uma atividade perigosa, na medida que se pode atruir a elementos razões que não existem...
Ubiratan diz:
Ligar tudo a qualquer coisa dentro de uma obra é bonito, mas perigoso.
Alf diz:
elementos não tem razões de início, mas tradições
Alf diz:
afinal, não estamos no meio do nada
Alf diz:
só usamos motivo, tema, etc por questões de tradição
Ubiratan diz:
Isso mesmo.
Ubiratan diz:
Eu vivo me propondo outra forma de compor.
Ubiratan diz:
Não se deve ficar atribuindo razões numa obra, se o compositor tivesse parado pra organizar tudo aquilo segundo uma lógica tão ferrenha, segundo uma unidade tão rigorosa, não teria saído sequer do terceiro compasso.
Alf diz:
A racionalidade tem que estar presente na obra, mesmo quando o nosso racional aparece de maneira pura, quando não pode ser posto em palavras.
Alf diz:
A coerência de uma obra não corresponde ao fato dela significar alguma coisa, mas o fato dela ter lógica, isso emociona, é uma loucura inerente a todo o ser humano.
Alf diz:
É poético mais que tudo.
Alf diz:
E o fato dela ter lógica não corresponde ao fato dela ter ou não um sentido claro e dizível, como tentei dizer nas mensagens acima...
Ubiratan diz:
Claro que o compositor tem consciência de seu processo, da sua intuição, mas certas coisas sao fruto do acaso e não tem qualquer relação com o que veio antes, ainda que posteriormente possam ser facilmente ligadas à idéia primordial por um bom bricoleur, pelo simples fato de funcionarem muito bem dentro do contexto...
Ubiratan diz:
Sim, sim, sim, sim, não estou aqui defendedo a falta de razão no processo criativo.
Alf diz:
se são ou não feitos pelas mãos do acaso e não do compositor, pouco importa, a obra diz aquilo e fim, se formos procurar o que o compositor quis colocar lá estariamos em uma aula de "partituromancia" e não de análise musical...
Ubiratan diz:
Eu estou falando de atribuição de sentidos inexistentes a uma obra. O compositor está longe de ter domínio sobre tudo o que acontece na obra.
Ubiratan diz:
Não estou dizendo que a gente deve identificar onde está o fruto do acaso numa obra, só estou dizendo que e gente deve parar de ficar ligando tudo a qualquer coisa, certas coisas estão ali e funcionam bem, são fundamentais dentro do contexto, mas não tem relação alguma com a idéia primordial, não nascem dela.
Alf diz:
Existem fatores até místicos aí no meio, mas isso não é nosso campo, nossa tarefa é compor e enxergar a composição das obras.
Ubiratan diz:
Não quero que se analise as intenções do compositor. Isso não importa tanto.
Alf diz:
Ninguém analisa intenção de compositor.
Ubiratan diz:
Pois é.
Ubiratan diz:
Mas quando se faz música se pensa MUITO MAIS ALÉM dos mecanismos internos.
Ubiratan diz:
Eles são fundamentais, mas não encerram uma obra.
Alf diz:
Mas a relação das coisas na obra tem de ser analisadas, ora, é como um texto escrito neste ponto, se o tema é maçã e lá na frente ele começa a falar das características de uma planta é para se referir à maçã e concluir o texto.
Alf diz:
De fato, numa obra musical quase tudo escrito lá é referência a algo escrito antes, isto está na base da composição da música ocidental, que se formos fazer referências e referências vamos chegar lá na lógica aristotélica...
Ubiratan diz:
Então tudo bem, vamos fazer de conta que tudo se resolve dentro de um método. Faz de conta que basta ter uma idéia e pronto, e resto há de sair dali mesmo, que é só uma questão de aplicações que a lógica interna flui por si só.

Alf diz:
Nem tudo se resolve dentro de um método e não basta ter uma idéia e pronto.
Alf diz:
Porque essa questão de aplicações de uma lógica interna
Alf diz:
Vai para o infinito, simplesmente.
Alf diz:
É por isso que um computador não compõe.
Ubiratan diz:
Tudo bem, tudo bem, tudo bem.
Ubiratan diz:
O músico, quando pretende entrar em introspecção analítica, é sempre suspeito.
Alf diz:
e Boulez é um chato de galocha
Ubiratan diz:
Demais.

[...]

É claro que nenhum de nós dois acha as músicas de Boulez chatas.

5 comentários:

Manuela Gifoni disse...

cheguei a me perder em alguns momentos
mas, ainda que contrariada, concordo que só há liberdade dentro da disciplina
não conheço Boulez, mas pra ser tão racional (ou talvez metódico) ele só pode ser um saco
heheheheheh

Daniel Araujo disse...

De fato... Para quem não gosta de música, é um post chato. Huiahuiahuia! Mas, já anunciá-lo assim, dá uma impressão ruim... Eu não sou expert em música, mas curti bastante o diálogo que me lembrou muito os livros de Galileu, quando ele inventa personagens para, em seus diálogos, explicar física mecânica.
E eu concordo com a visão geral... Compor requer mais que inteligência, requer inspiração... "Computadores não compõe".
Muito bom o papo! :)

Uriel Gonçalves disse...

não entendi bulhufas me perdi bunito.

sério? alguem me explica do que falaram O.o

Kel disse...

ASAJISIJASJIASIJAS
tbm não entendi direito, mas gostei do blog :D

http://pequenagarotaperdida.blogspot.com/
:*

Carla M. disse...

nossa... não sei se o simples fato de não conhecer os autores me fez parecer mais estranho o post do que deveria ou o que...

mesmo assim, valeu por me gerar curiosidade.